terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
A COMUNICAÇÃO DE GABRIEL (inédito)
entre o sonho, o sono e alegoria,
ouviu Maria a voz de Gabriel roçando-lhe o ouvido.
foi um zumbido, um cair tímido de folha outonal
mas o bastante para entender
que ela d´outro e d'ouro emprenharia.
o luar era quente,o vento arquejava
como se nascesse nas fornalhas do cataclismo.
teria ouvido mal? deveria acreditar na voz dos anjos?
afastou o sono das pálpebras,
atravessou a noite com uma vela na mão
e um pensamento a morder-lhe
a paz de mulher quotidiana e desambicionada.
que havia de pensar José?
seu marido era um velho indulgente,
com serrote, régua e golpe de vista punha a parca comida na mesa.
e sabia beijá-la, nela colocar os olhos de lento agradecimento.
quando a tomava em aconchegos de amor
fazia-o com a suave ternura a quem os muitos anos de vida
deram a sabedoria dos deuses.
Maria, com o desabrochar da claridade,
atirou-se ao chão em terra da árida Judeia
e implorou a Adonai, o deus da sua infância de judia,
que os seus sangues fêmeos não lhe faltassem na lua-cheia.
meses depois, suportando uma angustiada espera,
o sol brotou das suas entranhas como um forasteiro indesejado.
contudo, para a desabrigada,
o céu ensombrava-se com a mais negra negrura da mortificação.
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